terça-feira, 5 de setembro de 2017

Olivettis nem têm backspace



Quando eu tinha uns 12 anos, fiz um curso de datilografia na igreja do bairro, óbvio, de subúrbio. Aprendi a datilografar numa Olivetti azul, que era meu amor. Sim, eu era uma criança meio estranha, que tinha casos de amor por máquinas de escrever. E por lápis, lipiseira, canetas, cadernos, papéis, hoje o Word, Blogger, tenho essa afecção própria de quem gosta de escrever. E eu gosto de escrever.

Demorou um pouco pra que eu tivesse uma só pra mim, era caro e eu neo-pobre. Inclusive, tenho uma história péssima sobre, um infeliz, parente da minha mãe, que trabalhava com material de escritório, sei lá o quê, que passou anos me prometendo uma máquina de escrever, e é claro que nunca me deu. Nunca entendi pra que diabos ele mentia. Morreu recentemente o cretino, talvez soterrado pelas máquinas de escrever que ele nunca me deu.

Bateu a vontade de escrever sobre, porque fui hoje ao Centro pra tentar comprar fita pra minha máquina (o nome da máquina é Bambinha; a estorinha por trás do nome é ótima, depois eu conto) e não encontrei nas lojas onde sempre comprava, nas proximidades da Praça dos Correios. Daí, fui procurar online, e encontrei no Ponto Frio. Oi? Pois é, tem lá. E vocês sabem, né, uma coisa leva a outra, e acabei procurando por máquinas de escrever no Mercado Livre, porque ainda sonho com uma Olivetti pra chamar de minha (a Bambinha é uma Remington).

Além do ML, ainda dei uma olhada no Enjoei, encontrei gente vendendo Olivetti e Remington revisadas por mil reais, e eu achei meio absurdo.

Com o advento dos computadores, as máquinas de escrever quase desapareceram e passarem a ser objeto decorativo. Até lembrei que tem (tinha) um sebo no Rio, na rua do Real Gabinete de leitura, que decorava a vitrina com várias máquinas de escrever. Salvo engano, todas Royal.  É verdade que as máquinas de escrever têm um look retro e há antiquários que as querem vender como jóias de um tempo que jamais voltará. No entanto, os preços que alguns vendedores pedem pelas máquinas de escrever são um disparate, como mil reis por Olivettis e Remingtons. Quando me perguntam quanto vale uma máquina de escrever antiga, digo que vale menos do que pagaram por ela. Não compreendo essa obsessão de fazer das coisas mecânicas uma preciosidade. Em termos práticos: Nenhuma máquina de escrever manual posterior a 1960 vale mais de 300 reais e isto se encontrar em muito bom estado de funcionamento, revisada, lubrificada e com fitinha nova. Mil reis é um absurdo. Quem quer que esteja a pedir mais do que 300, está apenas tentando pegar um besta que queira se passar de cool. As máquinas são mecânicas e como tal, sujeitas a desgaste. Novas, poderiam escrever facilmente milhões de palavras. Usadas? Nunca se saberá quanto tempo sobrevirão, e as peças e reparos são difíceis de arranjar. Por exemplo, em Fortaleza não faço ideia donde levar minha Bambinha pra revisar, apesar de que ainda está bem, funcionando e tudo.

Doença crônica do Brasil é gostar de enganar e tirar proveito. Eu que não caio, por mais que deseje com força Uma Olivetti, ou ainda, Uma Baby Hermes. Mas a Remington ainda me deixa feliz,  com todo o seu barulho, click clack que não perdoa. Não há undo ou backspace. Nos computadores é muito fácil escrever o draft e em simultâneo começar a editar, a corrigir. Numa máquina de escrever, todo o erro é eterno, permanente, pelo que quando se escreve um primeiro draft, sabe-se que será definitivo e obriga o autor a escrever novamente tudo (e aí sim a editar) quando passa para o computador. O primeiro draft na máquina de escrever não deixa voltar atrás e a perdermo-nos com o detalhe. Obriga a andar para a frente, a colocar no papel em grandes traços toda uma ideia. O detalhe virá depois. Para quem escreve muito, e para quem escreve com ideia de fazer revisão do que escreve no computador, a máquina de escrever é um instrumento precioso. Mas também o são a caneta e o bom papel. 

As máquinas de escrever valem mais pelo valor de um sonho.

Inté.

Imagem: Do tempo que Dona Lilibete escrevia mais do que hoje em dia.

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