terça-feira, 23 de agosto de 2016

Louça



Sentada, num raro momento de intervalo, eu me peguei contemplando a sem-gracice do meu café num copo de plástico. Café recantado, do meio da manhã. Inclino o copo e vejo que forma umas bolhinhas, que lembram ovas de peixe, mas de algum peixe de águas lamacentas, turvas, miasma do rio Pajeú. Um pouco antes, lia A Paixão Segundo GH, e a coisa da barata - várias páginas de GH e a barata em fluxo de consciência - para então chegar à epifania através da contemplação do café no copo de plástico.

E esse copo de plástico é  alguma espécie de símbolo desse mundo de segunda mão em que vivemos, e que todos aceitam como dádiva, mas que na verdade é um malfazejo, uma praga, uma moléstia, que sorve das nossas medulas a humanidade, nos transformando em simulacros da sem-gracice. 

Poucas coisas podem ser mais sem graça do que tomar café nesses copinhos, em vez de usar uma xícara, ou mesmo uma caneca - vi uma caneca de listras francesas dia desses, e listras são ousadas em sua simetria simples que rompe com a vulgaridade. Mas o copo descartável significa a economia - você vão vale o preço da xícara ou da caneca. O não especial, que é a mensagem primeira desse mundo que sorve a medula da gente: você não é especial - brilha o neon pálido dos contracheques. Está lá em Creep, inclusive.

A xícara significa um grito de rebeldia, em que se ousa sair do descartável, do vulgar e manter um certo requinte ultrajante em tomar café em xícara de louça. E seria um café licoroso, com o perfume do sertão de cada um, adoçado com melaço negro do engenho de 30...


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